por Raul Coelho Barreto Neto, professor e historiador, Salvador (BA)
Na condição de professor e historiador – mas principalmente como cidadão brasileiro –, jamais imaginei que um dia iria viver e testemunhar aquilo que só conhecia através dos livros de história. Partindo da peste bubônica, passando pela varíola e pela gripe espanhola – todas avassaladoras –, eis que chegamos ao novo coronavírus. Do papel à vida real, mais uma poderosa convulsão sanitária e social toma forma. Terminado este longo e triste filme, recheado de cenas surreais e distópicas, o mundo – incluindo a humanidade – certamente não voltará a ser o mesmo. Nem deve.
O ineditismo do caótico processo atualmente vivido e suas consequências passam inevitavelmente pela educação. Os primeiros decretos suspendendo as atividades escolares por quase todo o Brasil foram uma medida emergencial e sensata. O susto e a agitação dos primeiros dias aos poucos foram se convertendo em verdadeiros exercícios de paciência, serenidade e resiliência. Desde o início, os olhos mais realistas já enxergavam que o retorno às aulas não viria tão cedo. De fato, não voltaram e, creio eu, não voltarão (quando escrevo, já se vão quase dois meses que estamos em isolamento). Em um cruel cenário onde emergem os mais diversos problemas de ordem familiar e social – agravados pela pandemia e os quais a educação pública precisa enfrentar cotidianamente –, o que fazer para evitar que o imenso fosso que separa nossas crianças de diferentes grupos sociais se estenda ainda mais?
Da quase inércia dos primeiros dias a ações limitadamente coordenadas, passei a experimentar algo até então para mim impensável: planejar e executar “aulas” via WhatsApp. Talvez em função da intimidade dos jovens com tal ferramenta, os resultados têm se mostrado surpreendentes. Se parte dos alunos simplesmente ignora nossa ação, outra mostra-se bastante entusiasmada. No ensino básico, no entanto, as ações remotas (com pálidos tons de uma educação a distância) devem ser sempre pensadas e utilizadas enquanto ferramentas complementares. Não só por um fator legal, mas também por questões práticas, a partir do olhar de quem vivencia e sente o espaço da sala de aula.
Pessoalmente, talvez na contramão do que um mundo cada vez mais virtual e tecnológico tem experimentado a uma velocidade difícil de acompanhar, penso que a educação a distância deve ser sempre exceção, jamais regra. Não só quando enfocamos os ensinos fundamental e médio, mas igualmente o superior. Sua aplicabilidade talvez seja muito positiva para o ribeirinho dos confins da Amazônia ou para o estudante do turno da noite que precisa enfrentar uma dura e diária jornada de trabalho. Educação não é somente transmissão de conteúdo. Essa talvez seja, infelizmente, a rasa e pobre visão que o grosso da sociedade tem sobre o mais complexo e importante processo na vida do ser humano.
Educação é sobretudo convivência com o outro, calor humano, sociabilização, olho no olho. Não imagino sua essência de outra forma. Às redes sociais e sua inegável capacidade de “reunir”, o meu reconhecimento. Todavia, desejo que tudo isso passe o mais rápido possível para que, ao reencontrar minhas alunas e meus alunos, eu possa voltar a contribuir para que elas e eles permaneçam fomentando o sonho de encontrar seus próprios caminhos.
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